8.11.17

Rui Nunes


2.



por vezes a tua cara torna-se nítida e insuportável. 
Outras vezes, esbate-se e com o esbatimento vem-me a resignação 
de te ter perdido. Às vezes, esqueço-te. Ou ficas escondido numa casa, 
num quadro, numa árvore, de onde ressurgirás. Um dia olharei o quadro, 
a casa, a árvore, e lembrar-me-ei de ti. Mas cada vez haverá menos 
sítios onde te esconderes.

a tua face vem e atira-me sempre para o mesmo tempo, 
é uma face que o ódio esquece, anterior à deserção, 
a face de quem encontrou a primeira palavra, 
é essa que me olha nos sítios mais vulgares. 
Não te procuro: de repente, estás ali.

Como uma arma. 
O límpido assassino.




Rui Nunes
in Ouve-se sempre a distância numa voz
Relógio D'Água